Agência Brasil André Richter e Felipe Pontes – Repórteres da Agência Brasil
O ano de 2017 começou com a expectativa em torno da divulgação do conteúdo dos acordos de delação premiada dos executivos da empreiteira Odebrecht, que ficou conhecida como “delação do fim do mundo”. No entanto, o que seria um dos principais acontecimentos de destaque no ano do Judiciário acabou ofuscado pela morte repentina do ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF). Logo na segunda quinzena de janeiro, a morte do relator da Operação Lava Jato na Corte mudou o rumo das investigações. A abertura de inquérito de políticos citados pelos executivos da Odebrecht foi autorizada pelo STF em abril. Mas o que seria a delação mais importante do ano acabou em segundo plano após uma outra delação vir à tona, ainda em maio: a do empresário Joesley Batista e diretores do grupo J&F.
Além da repercussão dos processos da Lava Jato no STF e das homologações de acordos de delação pela Procuradoria-Geral da República (PGR), 2017 também ficou marcado por embates entre o Judiciário e o Legislativo. Relembre os principais fatos do ano no Judiciário:
Morte de Teori e mudanças na Lava Jato
No dia 19 de janeiro, período de recesso no Judiciário, servidores e jornalistas que acompanhavam o trabalho de plantão da presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, foram surpreendidos com a notícia da queda de um avião bimotor em Paraty (RJ). Na aeronave estava o ministro Teori, que não resistiu aos ferimentos e morreu.
O relator da Lava Jato saiu de São Paulo com o amigo Carlos Alberto Filgueiras, um dos donos do grupo hoteleiro Emiliano, para passar o fim de semana na cidade. Teori foi enterrado em Porto Alegre, após funeral que reuniu os principais nomes da política no país. Apesar de especulações sobre as reais causas do acidente aéreo, a família descartou a hipótese de sabotagem.
Ainda em janeiro, em meio à consternação que tomou conta dos integrantes da Corte, a presidente do STF foi obrigada a homologar, ainda durante período de recesso, as delações da Odebrecht. Com isso, os mais de 800 depoimentos prestados pelos executivos e ex-funcionários da empreteira ao Ministério Público Federal (MPF) puderam ser avaliados e transformados nas denúncias apresentadas à Corte ao longo do ano.
Após a morte de Teori, em fevereiro, a Lava Jato ganhou um novo relator na Corte: o ministro Edson Fachin, então integrante da Primeira Turma, que se colocou à disposição para integrar o colegiado que julga os processos da Lava Jato. Nos bastidores, os colegas defenderam o nome de Fachin para ocupar a vaga pelo fato do ministro ter um perfil semelhante à forma de trabalho do antigo relator.
A vaga de Teori no STF foi ocupada por Alexandre de Moraes, até então ministro da Justiça do governo Temer, que tomou posse em abril.
Delação da JBS
Em maio, um áudio que era parte da delação premiada do empresário Joesley Batista foi divulgado e acabou por gerar denúncia da PGR contra o presidente Michel Temer. A conversa gravada no Palácio do Jarubu, envolvendo o dono do frigorífico JBS e o presidente Temer, foi divulgada pelo jornal O Globo e levou o relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin, a retirar o sigilo do áudio do encontro. Na conversa, Temer e Joesley falavam, entre outros assuntos, sobre a situação do ex-deputado Eduardo Cunha, preso na Operação Lava Jato.
O episódio levou o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a denunciar o presidente ao Supremo pelo crime de corrupção passiva, em 26 de junho. A acusação baseou-se nas investigações iniciadas a partir do acordo de delação premiada da JBS. Após a denúncia, a Câmara dos Deputados barrou o andamento da investigação e as acusações ficarão sobrestadas até o fim do mandato do presidente. Janot ainda apresentou uma segunda denúncia contra Temer e membros do PMDB, por obstrução de Justiça e formação de organização criminosa, que também foi rejeitada pelo plenário da Câmara.
A polêmica delação premiada sofreu ainda uma reviravolta em setembro, quando Janot acusou Joesley Batista e Ricardo Saud, executivos da JBS, de descumprirem os temos do acordo ao omitirem fatos relevantes à investigação. Bastista e Saud acabaram tendo seus benefícios revogados pela PGR e estão presos desde setembro por decisão do STF.
Condenação de Lula
Outro fato que marcou os trabalhos do Judiciário em 2017 foi a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em julho, a nove anos e seis meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A condenação pelo juiz federal Sérgio Moro, da Justiça Federal em Curitiba, é relativa ao processo que investigou a compra e a reforma de um apartamento triplex no Guarujá, litoral de São Paulo.
No mesmo mês, Moro também determinou o bloqueio de mais de R$ 9 milhões em planos de previdência em nome de Lula, além do confisco de imóveis e veículos e R$ 606,7 mil das contas do ex-presidente.
Lula ganhou o direito de recorrer em liberdade, mas a apelação de sua defesa e o pedido do Ministério Público Federal (MPF) para aumentar a pena de Lula serão julgados em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, em Porto Alegre, no dia 24 de janeiro. A defesa do ex-presidente questionou a celeridade da tramitação.
Troca na PGR
Setembro de 2017 foi marcado pelo fim da passagem de Rodrigo Janot como procurador-geral da República, que deixou o cargo no dia 17. Para sucedê-lo, o presidente Michel Temer indicou a segunda mais votada em lista tríplice enviada pelos membros do Ministério Público, a procuradora Raquel Dodge.
Primeira mulher a ocupar o posto, ela assumiu a PGR com a expectativa sobre como lidaria com a Operação Lava Jato.
Logo de início, Dodge anunciou que a sua gestão daria tanta importância a questões ligadas aos direitos humanos quanto ao combate à corrupção. Em algumas ocasiões, ela se posicionou contra decisões do governo, por exemplo, contra portaria do Ministério do Trabalho que modificou o conceito de trabalho escravo.
Na esfera criminal, um de seus pareceres que ganhou mais destaque foi o que acusou Geddel Vieira Lima, ex-ministro da Secretária de Governo, de ser líder de organização criminosa. O status, caso reconhecido pela Justiça, impede que o político, preso preventivamente desde julho, firme acordo de delação premiada e eventualmente implique membros do governo.
Raquel Dodge também solicitou uma revisão de delações premiadas, em busca de erros que poderiam ter sido cometidos por seu antecessor. Por outro lado, ela se manifestou, no STF, a favor do cumprimento de pena a partir de condenação em 2ª instância da Justiça, entendimento que vem sendo questionado no Supremo.
Desde que assumiu, Raquel Dodge ofereceu 14 denúncias por crimes envolvendo políticos, seja no STF ou no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Nenhuma delas é ligada diretamente à Operação Lava Jato.
Legislativo X Judiciário
Entre as questões mais marcantes em 2017 e mais determinantes para o desenrolar de casos de corrupção no STF esteve a aplicação de medidas cautelares contra parlamentares, tema que provocou uma queda de braço entre Judiciário e Legislativo.
Ainda sob os efeitos do julgamento que, em dezembro de 2016, manteve Renan Calheiros (PMDB-AL) na presidência do Senado, o STF se envolveu ao longo de todo este ano em um vai-e-vem de decisões sobre a permanência ou não do senador Aécio Neves (PSDB-MG) no cargo.
Investigado por corrupção e obstrução de Justiça por ter recebido R$ 2 milhões do empresário Joesley Batista, da JBS, Aécio foi afastado por Fachin em 17 de maio. Ao assumir o caso por redistribuição, Marco Aurélio Mello decidiu devolver o senador tucano ao cargo, em 30 de junho. Em setembro, a Primeira Turma do STF resolveu afastá-lo novamente, mas desta vez o Senado ameaçou descumprir a ordem.
Ante o impasse, o caso foi levado com urgência ao plenário do STF, onde se estabeleceu que qualquer medida cautelar, alternativa à prisão, imposta contra parlamentar e que interfira no exercício do mandato deve ser submetida à anuência do Congresso em 24 horas. Ato contínuo, poucos dias depois o plenário do Senado revogou o afastamento de Aécio Neves.
Na prática, a redação ampla da tese final do julgamento reduziu o espaço para que ministros do STF imponham medida cautelar mais efetiva contra parlamentar.
Assembleias
Se na esfera federal houve sinais de recuo, na estadual os ministros do Supremo se mantiveram firmes em conter o poder das Assembleias Legislativas. No primeiro semestre, em maio, o plenário foi unânime em decidir que, ao contrário do que ocorre com o presidente da República, governadores podem se tornar réus sem precisar de aval dos Legislativos locais.
No mesmo sentido, a maioria do plenário do STF votou, em dezembro, para que deputados estaduais não tenham o mesmo poder conferido ao Congresso, de reverter prisões ou medidas cautelares impostas contra seus pares.
Apesar de já definido, o julgamento, motivado pela prisão do presidente licenciado da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), Jorge Picciani (PMDB), teve seu desfecho adiado para o ano que vem, devido à ausência dos ministros Ricardo Lewandowski e Luís Roberto Barroso.
Foro privilegiado
Em outra frente, alguns ministros do STF encamparam, ao longo do ano, uma batalha por interpretação mais restritiva da Constituição, no que diz respeito ao foro por prerrogativa de função, conhecido como foro privilegiado. Os gabinetes dos ministros da Corte estão sobrecarregados com o volume de processos.
O ministro Luiz Roberto Barroso foi quem abriu a oportunidade para que o próprio STF restrinja o foro, sugerindo, em um dos casos do qual é relator, que deveriam ficar na Corte somente casos de crimes cometidos durante a permanência no cargo e com relação direta a ele. A tese foi apoiada publicamente por outros ministros, como Edson Fachin, antes de ser pautada em plenário por Cármen Lúcia, duas vezes.
Em novembro, foi formada maioria a favor da restrição do foro, mas o julgamento teve sua efetividade adiada por um pedido de vista de Dias Toffoli. Ele alegou que o mesmo assunto é tema de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), cuja definição deveria ser aguardada pelo tribunal. Estima-se que atualmente cerca de 30 mil autoridades sejam beneficiadas pelo foro privilegiado no Brasil.
Delações
Em agosto, em um dos julgamentos mais longos e tumultuados do ano, o Supremo precisou de quatro sessões para definir que os benefícios acordados entre delator e Ministério Público podem ser homologados em decisão monocrática (individual) do ministro-relator, embora possam ser alterados em plenário no momento da sentença, ao final do processo, quando o colegiado aferirá a verdadeira eficácia da colaboração.
Sobre o mesmo tema, outro julgamento cujo desfecho ficou para o ano que vem trata da permissão ou não para delegados da Polícia Federal (PF) firmarem acordos de delação premiada. Mesmo com maioria formada a favor da permissão, o relator, ministro Marco Aurélio Mello, pediu adiamento para aguardar quórum completo. Estavam ausentes na sessão os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski.
Temas sociais
Algumas pautas de mobilização social no STF também ficaram para o próximo ano, incluindo diversos temas que aguardam definição do Supremo há muitos anos. Entre eles estão as discussões sobre o marco temporal para a demarcação de terras indígenas, o critério de autodeterminação das comunidades quilombolas e o direito de homossexuais homens doarem sangue.
Ações que tratam desses temas chegaram a ser pautadas para julgamento em plenário neste ano, mas acabaram não sendo definidas, seja por terem sido atropeladas por temas urgentes ligados à crise política, seja por terem sido interrompidas por pedidos de vista.
Para fevereiro, quando o STF retorna do recesso, a ministra Cármen Lúcia priorizou alguns desses temas nas seis primeiras sessões plenárias do ano.